quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

Uma análise interessante...

Defender o capitalismo
Eleonora de Lucena

MOCINHOS engomados e arrogantes colhem seus robustos bônus. Suas apostas foram catapultadas pela arquitetura de geração fácil de riqueza. Tiveram o incentivo dos chefes dos bancos e o beneplácito das autoproclamadas agências de risco. Como numa singela pirâmide, ou uma corrente de felicidade, anabolizaram cifras, inflaram créditos e prometeram aos incautos as maravilhas do luxo e da segurança.

Embrulhadas em números gostosos, as projeções esconderam um mundo oco. Enrolaram cidadãos, empresas, governos. Os acrobatas garantiram seus ganhos e agora assistem ao castelo desmoronar. Sincronizados, engavetaram os libelos pelo livre mercado. Com o rabo entre as pernas, clamam por socorro do arquiinimigo Estado.

Já foi dito que uma das funções do Estado moderno é defender o capitalismo de ações dos capitalistas. É precisamente o que acontece agora. O Estado -que organiza e agencia os interesses dos grupos dominantes -é chamado a agir assim nas crises.

Afinal, é preciso que alguém assuma o controle da situação. Que possa atuar para além dos bônus anuais, do curto prazo, dos ganhos dos rentistas. Senão, no limite, o próprio modelo pode ser corroído pela avidez desenfreada da busca por lucros privados. Assim, quando as perdas dos grandes se agigantam, é hora de o poder se reorganizar. Nesse momento, governos são instados a criar uma enorme rede de proteção aos capitalistas: dinheiro público barato para tapar rombos, perdões de dívida, cortes de impostos. Rapidamente é turbinado o mecanismo de socialização das perdas, após mais um ciclo exitoso de privatização de ganhos. É preciso resgatar o sistema financeiro.

Afinal, com suas diatribes, ele ameaça levar de roldão as famílias, as fábricas, as lojas -o pânico passa a rondar as economias. Não existe cordão sanitário ao redor das finanças globais. Estados Unidos, China, Japão, Europa e Brasil estão expostos à mesma tormenta.

O dia de ontem foi um exemplo disso. Uma prova de que o mercado quer mais. Mais dinheiro do Estado para pagar a sua conta e manter a ordem das coisas. Os bancos centrais vão ter que despejar mais dólares em socorro do mercado. Os bancos privados vão buscar mais apoio nos fundos estatais. Os EUA já articulam uma regra de calotes e um alívio para impostos. Passada a tempestade, serão propostas medidas de regulação das finanças, de controle sobre a ação dos fundos agressivos, de transparência para as agências de risco. É possível que os próximos capítulos sejam menos audaciosos para os mercados. Até uma nova geração de mocinhos. E sem estigma: eles são apenas peças mais visíveis dessa engrenagem chamada capitalismo.

ELEONORA DE LUCENA é editora-executiva da Folha.

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